terça-feira, 2 de agosto de 2011

Contexto Histórico e Artístico

Aleijadinho trabalhou durante o período de transição do Barroco para o Rococó. O Barroco, surgido na Europa no início do século XVII, foi um estilo de reação contra o classicismo do Renascimento, cujas bases conceituais giravam em torno da simetria, da proporcionalidade e da contenção, racionalidade e equilíbrio formal. Assim, a estética barroca primou pela assimetria, pelo excesso, pela expressividade e pela irregularidade. Além de uma tendência puramente estética, esses traços constituíram uma verdadeira forma de vida e deram o tom a toda a cultura do período, uma cultura que enfatizava o contraste, o conflito, o dinâmico, o dramático, o grandiloquente, a dissolução dos limites, junto com um gosto acentuado pela opulência de formas e materiais, tornando-se um veículo perfeito para a Igreja Católica da Contra-Reforma e as monarquias absolutistas em ascensão expressarem visivelmente seus ideais de glória e afirmarem seu poder político. As estruturas monumentais erguidas durante o Barroco, como os palácios e os grandes teatros e igrejas, buscavam criar um impacto de natureza espetacular e exuberante, propondo uma integração entre as várias linguagens artísticas e prendendo o observador numa atmosferacatártica e apaixonada. Assim, nenhuma obra de arte barroca pode ser analisada adequadamente desvinculada de seu contexto, pois sua natureza é sintética, aglutinadora e envolvente.
Na Europa a Igreja Católica foi, ao lado das cortes, a maior mecenas de arte neste período. Na imensa colônia do Brasil não havia corte, a administração local era confusa e morosa, assim um vasto espaço permanecia vago para a ação da Igreja e seus batalhões de intrépidos, capazes e empreendedores missionários, que administravam além dos ofícios divinos uma série de serviços civis, estavam na vanguarda da conquista do interior do território, organizavam boa parte do espaço urbano e dominavam o ensino e a assistência social mantendo muitos colégios e orfanatos, hospitais e asilos. Construindo grandes templos decorados com luxo, encomendando peças musicais para o culto e dinamizando imensamente o ambiente cultural como um todo, e é claro ditando as regras na temática e na maneira de representação artística dos personagens do Cristianismo, a Igreja centralizou a arte colonial brasileira, com rara expressão profana notável.

Cristo carregando a cruz, Santuário de Congonhas
Barroco no Brasil foi, destarte, um estilo movido principalmente pela inspiração religiosa, mas, ao mesmo tempo, de enorme ênfase na sensorialidade e na riqueza dos materiais e formas, num acordo tácito e ambíguo entre glória espiritual e êxtase carnal. Este pacto, quando as condições permitiram, criou monumentos artísticos de enorme complexidade formal e riqueza plástica. Como disse Germain Bazin"para o homem deste tempo, tudo é espetáculo". Esse fausto decorativo tinha ademais um propósito didático, já que o Catolicismo compreendia que "a arte pode seduzir a alma, perturbá-la e encantá-la nas profundezas não percebidas pela razão; que isso se faça em benefício da fé"'. Mas tanta riqueza também era um tributo devido a Deus, por Sua própria glória. Todo esse cenário luxuriante era um pano de fundo perfeito para acatequese católica, largamente influenciada pelos preceitos jesuíticos e contra-reformistas. Aretórica barroca, base para todo o ensino, laico e sacro, tinha um sentido cenográfico e declamatório, e se expressava cheia de hipérboles e outras figuras de linguagem, num discurso de largo voo e minuciosa argumentação, o que se refletiu plasticamente na extrema complexidade da obra de talha e na agitada e convoluta movimentação das formas estatuárias, pictóricas e arquiteturais.
Na competição com os dissidentes protestantes, o clero católico procurou em suma cooptar mais seguidores traduzindo os significados abstratos da sua religião em uma linguagem que seduzia pela suntuosa plasticidade e pelos motivos facilmente compreensíveis pelo povo. Numa época em que o povo era em sua maioria analfabeto, a arte católica barroca foi um complemento altamente persuasivo para o catecismo verbal. Nada melhor para que se cumprisse o objetivo dessa arte do que explorar a representação das emoções mais poderosas e elementares da natureza humana, como a devoção, o amor, o medo e a compaixão. O programa iconográfico contra-reformista escolheu os temas, a abordagem formal e as maneiras de desenvolvimento narrativo do discurso visual, prevendo a obtenção de um efeito afetivo específico para cada obra. Privilegiando os momentos mais dramáticos da história sagrada, se multiplicaram os Cristos açoitados, as Virgens com o coração trespassado de facas, os crucifixos sanguinolentos, os mártires na apoteose de seus suplícios. Também se tornaram comuns as patéticas imagens de roca, de membros articulados e com cabelos e vestes reais, manipuladas como marionetes, que se levavam em Vias Sacras e procissões solenes e feéricas onde não faltavam as lágrimas e os pecados eram confessados em alta voz. Mas essa mesma devoção, que tantas vezes adorou o trágico, plasmou também inúmeras cenas de êxtase e visões celestes, e outras tantas Madonnas de graça ingênua e juvenil e encanto perene, e doces Meninos Jesus, cujo apelo ao coração simples do povo era imediato e sumamente efetivo. Novamente Bazin captou a essência do processo dizendo que "a religião foi o grande princípio de unidade no Brasil. Ela impôs às diversas raças aqui misturadas, trazendo cada uma um universo psíquico diferente, um mundo de representações mentais básico, que facilmente se superpôs ao mundo pagão, no caso dos índios e dos negros, através da hagiografia, tão adequada para abrir caminho ao cristianismo aos oriundos do politeísmo". Costa faz lembrar ainda que o templo católico não era apenas um lugar de culto, mas também cumpria uma função social profana, pois era o mais importante espaço de confraternização do povo, um centro de transmissão de valores sociais básicos e amiúde o único local seguro na muitas vezes turbulenta vida da colônia.

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