terça-feira, 2 de agosto de 2011

Lista de Obras Documentadas


Informações obtidas em artigo de Felicidade Patrocínio na Revista do Instituto Histórico Geográfico de Montes Claros
  • 1752 - Ouro Preto: Chafariz do Palácio dos Governadores. Risco do pai, execução de Aleijadinho.
  • 1757 - Ouro Preto: Chafariz do Alto da Cruz. Risco do pai, execução de Aleijadinho.
  • 1761 - Ouro Preto: Busto no Chafariz do Alto da Cruz.
  • 1761 - Ouro Preto: Mesa e 4 bancos para o Palácio dos Governadores.
  • 1770 - Sabará: Trabalho não especificado para a Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
  • 1771 - Rio Pomba: Medição do risco do altar-mor da Matriz.
  • 1771-2 - Ouro Preto: Risco do altar-mor da Igreja de São José.
  • 1771 - Ouro Preto: Medição do risco da Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
  • 1771 - Ouro Preto: Risco para um açougue.
  • 1771-2 - Ouro Preto: Púlpitos para a Igreja de São Francisco.
  • 1773-4 - Ouro Preto: Barrete da capela-mor da Igreja de São Francisco.
  • 1774 - São João del-Rei: Aprovação do risco da Igreja de São Francisco.
  • 1774 - Sabará: Trabalho não especificado para a Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
  • 1774 - Ouro Preto: Novo risco da portada da Igreja de São Francisco.
  • 1775 - Ouro Preto: Risco da capela-mor e altar da Igreja de Nossa Senhora das Mercês.
  • 1777-8 - Ouro Preto: Inspeção de obras na Igreja de Nossa Senhora das Mercês.
  • 1778 - Sabará: Inspeção de obras na Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
  • 1778-9 - Ouro Preto: Risco do altar-mor da Igreja de São Francisco.
  • 1779 - Sabará: Risco do cancelo e uma estátua para a Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
  • 1781 - Sabará: Trabalho não especificado para a Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
  • 1781 - São João del-Rei: Encomenda do risco do altar-mor da Igreja de São Francisco.
  • 1781-2 - Sabará: Cancelo, púlpitos, coro e portas principais da Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
  • 1785 - Morro Grande: Inspeção de obras na Matriz.
  • 1789 - Ouro Preto: Pedras de ara para a Igreja de São Francisco.
  • 1790 - Mariana: Registro do segundo vereador na Casa de Câmara e Cadeia
  • 1790-4 - Ouro Preto: Altar-mor da Igreja de São Francisco.
  • 1794 - Ouro Preto: Inspeção de obras na Igreja de São Francisco.
  • 1796-9 - Congonhas: Figuras dos Passos da Paixão para o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos.
  • 1799 - Ouro Preto: Quatro anjos de andor para a Igreja de Nossa Senhora do Pilar.
  • 1800-5 - Congonhas: Doze Profetas para o adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos.
  • 1801-6 - Congonhas: Lâmpadas para o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos.
  • 1804 - Congonhas: Caixa do órgão do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos.
  • 1806 - Sabará: Risco do altar-mor (não aceito) para a Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
  • 1807 - Ouro Preto: Retábulos de São João e Nossa Senhora da Piedade para a Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
  • 1808 - Congonhas: Castiçais para o santuário de Bom Jesus de Matosinhos.
  • 1808-9 - Ouro Preto: Retábulos de Santa Quitéria e Santa Luzia para a Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
  • 1810 - São João del-Rei: Risco da portada e cancelo para a Matriz.
  • 1829 - Ouro Preto: Retábulos laterais para a Igreja de São Francisco, executados postumamente.

A Fortuna Crítica de Aleijadinho

Depois de um período de relativo obscurecimento após sua morte, ainda que tenha sido comentado por vários viajantes e eruditos da primeira metade do século XIX como Auguste de Saint-Hilaire e Richard Burton, às vezes de forma pouco lisonjeira, o nome de Aleijadinho voltou à cena com a biografia pioneira de Bretas em 1858, já citada. Dom Pedro II era um apreciador da sua obra. Mas foi mais tarde que o seu nome voltou com força à discussão estética e histórica, com as pesquisas de Affonso Celso e Mário de Andrade no início do século XX, aliadas ao novo prestígio que o Barroco mineiro desfrutava entre o governo, prestígio que levou à criação da Inspetoria de Monumentos Nacionais, o antecessor do IPHAN, em 1993. Para os  mordenistas
do grupo de Mário, que estavam engajados num processo de criação de um novo conceito de identidade nacional, conhecer a obra de Aleijadinho foi como uma revelação inspiradora, onde foram acompanhados por alguns ilustres teóricos francófonos, num período em que o estilo Barroco estava muito desacreditado entre a intelectualidade da Europa mas no Brasil se tornara o assunto do momento. Admirado, Blaise Cendrars pretendeu escrever um livro sobre ele, mas isso acabou não se concretizando. Entretanto, os estudos foram ampliados nos anos seguintes por, entre muitos outros, Roger Bastide, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Gilberto Freyre, Germain Bazin e também pelos técnicos do IPHAN, e desde então têm se expandido ainda mais para abordar uma grande variedade de tópicos sobre a vida e obra do artista, geralmente afirmando a importância superlativa de sua contribuição.Lúcio Costa mantinha uma posição dividida; negava-lhe talento de arquiteto, e repelia sua obra nesse campo como inferior, de nível decorativo apenas, e ironizava sua pessoa também, chamando-o de "recalcado trágico", ainda que em outro momento o elogiasse como "a mais alta expressão individualizada da arte portuguesa de seu tempo".
Seu reconhecimento extrapola as fronteiras do Brasil. Para boa parte da critica moderna, Aleijadinho representa um momento singular na evolução da arte brasileira, sendo um ponto de confluência das várias raízes sociais, étnicas, artísticas e culturais que fundaram a nação, e mais do que isso, representa dessa síntese uma expressão plástica de elevadíssima qualidade, sendo o primeiro grande artista genuinamente nacional. Dentre muitas opiniões de teor semelhante, Bazin o louvou como o "Michelangelo brasileiro", para Carlos Fuentes ele foi o maior "poeta" da América colonial, Lezama Lima o chamou de "a culminação do Barroco americano", Regis St. Louis e seus colaboradores lhe dão um lugar de destaque na história da arte internacional, John Crow o considera um dos criadores mais dotados deste hemisfério em todos os tempos, e João Hansen afirma que as suas obras já começam a ser identificadas com o Brasil ao lado do samba e do futebol em outros países, tendo-se tornado um dos ícones nacionais para os estrangeiros. Já existe um museu especialmente dedicado à preservação de sua memória, o Museu Aleijadinho, fundado em Ouro Preto em 1968 e a sua cidade natal regularmente promove a Semana do Aleijadinho, com encontros de pesquisadores aliados a comemorações populares, onde ele é o tema principal. O prestígio do artista junto à crítica especializada acompanha sua popularidade entre os leigos brasileiros. O Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro realizou em 2007 a exposição Aleijadinho e seu Tempo - Fé, Engenho e Arte, que teve um público recorde de 968.577 visitantes, o maior público, em números absolutos, recebido em uma mostra realizada nos dezessete anos de atuação do CCBB Rio, ultrapassando números da Bienal Internacional de São Paulo (535 mil), e das exposições Picasso Na Oca (905 mil) e Guerreiros de Xi'an (817.782). A presença de suas obras nas cidades mineiras é um dos grandes atrativos turísticos da região.
Já Grammont, Gomes Junior, Chartier, Barretto e outros advertem para o perigo da perenização de visões mitificantes, romantizadas e fantasiosas sobre o artista, que tendem a obscurecer a sua correta contextualização e a clara compreensão de sua estatura artística e da extensão de sua originalidade, a partir do copioso folclore que desde a era de Vargas tanto a oficialidade como o povo vêm criando em torno de sua figura mal conhecida e misteriosa, elevando-o ao patamar de herói nacional. Hansen inclusive aponta como evidência lamentável dessa situação a ocorrência de manipulação política da imagem de Aleijadinho no exterior, citando a censura governamental à publicação de estudos mais críticos no catálogo de uma grande exposição que incluía o artista montada na França, patrocinada pelo governo federal.
O Aleijadinho já foi retratado como personagem no cinema e na televisão em 1915 Guelfo Andaló dirigiu a primeira cinebiografia sobre o artista, e mais recentemente ele foi interpretado por Geraldo del rey no filme "Cristo de Lama" (1966), Maurício Gonçalves no filme "Aleijadinho - Paixão, Glória e Suplício" (2003) e Stênio Garcia num Caso Especial da TV Globo. Em 1978 Aleijadinho foi objeto de um documentário dirigido por Joaquim Pedro de Andrade e narrado por Ferreira Gullar

Obra - Escultura


Sua maior realização na escultura de vulto completo são os conjuntos do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas - as 66 estátuas da Via SacraVia Crucis ou dos Passos da Paixão, distribuídas em seis capelas independentes, e os Doze Profetas no adro da igreja. Todas as cenas da Via Sacra, talhadas entre 1796 e 1799, são intensamente dramáticas, e aumenta esse efeito o vivo colorido das estátuas em tamanho natural, pintadas, segundo indica um contrato assinado em 1798, por Mestre Ataíde e Francisco Xavier Carneiro. Entretanto, não é certo que Carneiro tenha trabalhado nas peças, pois não constam pagamentos a ele realizados no Livro 1° de Despesa até 1837, quando este se encerra.
A tipologia da Via Sacra é antiga, remonta à tradição do Sacro Monte, nascida na Itália séculos antes de ser reencenada em Congonhas. O tipo se constitui num conjunto de cenas da Paixão de Jesus, de caráter teatral e patético, destinadas explicitamente a invocar a piedade e compaixão, reconstruindo resumidamente o percurso de Jesus desde a Última Ceia até sua crucificação. As cenas são usualmente dispostas numa série de capelas que antecedem um templo colocado no alto de uma colina ou montanha - e daí o nome de Sacro Monte - exatamente como é o caso do Santuário de Congonhas, erguido por Feliciano Mendes em pagamento de uma promessa e imitando o modelo do santuário homônimo de Braga, em Portugal.
Julian Bell encontrou no conjunto brasileiro uma intensidade não superada nem mesmo pelos seus modelos italianos, e Mário de Andrade o leu como exemplo de um expressionismo às vezes feroz. Gilberto Freyre e outros viram em algumas destas peças, em especial nos grotescos soldados romanos que atormentam Cristo, um grito pungente e sarcástico, ainda que velado, de protesto contra a opressão da colônia pelo governo português e do negro pelo branco. Freyre, ao mesmo tempo, identificou raízes tipicamente folclóricas para a constituição do seu extravagante estilo pessoal, como a iconografia satírica da cultura popular, se admirando da hábil maneira com que Aleijadinho introduziu elementos da voz do povo para dentro do universo da alta cultura do Barroco internacional.
Através da comparação entre a qualidade das várias figuras individuais, pesquisadores chegaram à conclusão de que ele não executou todas as imagens da Via Sacra. Sua mão estaria apenas nas da primeira capela, onde se representa a Santa Ceia, e nas da segunda capela, figurando aAgonia no Horto das Oliveiras. Das outras capelas teria esculpido pessoalmente apenas algumas das figuras. Na terceira, da Prisão, o Cristo e possivelmente São Pedro, e na que abriga duas cenas, a Flagelação e a Coroação de Espinhos, também as figuras de Cristo, e um dos soldados romanos, que teria servido de modelo para todos os outros, esculpidos por seus assistentes. Na capela do Carregamento da Cruz, a figura do Cristo e possivelmente as duas mulheres chorosas, junto com o menino que carrega um prego da cruz. Na capela da Crucificação, suas seriam as imagens do Cristo pregado e dos dois ladrões que o ladearam no Calvário, além, possivelmente, também a de Maria Madalena.
A outra parte do conjunto de Matosinhos são as doze esculturas dos profetas, realizadas entre 1800 e 1805, cujo estilo em particular é fonte de controvérsia desde a manifesta incompreensão de Bernardo Guimarães no século XIX, que desconcertado diante dos aparentes erros de talha e desenho, ainda assim reconhecia nas estátuas momentos de notável beleza e solenidade, verdadeiramente dignas dos profetas.O conjunto se configura como uma das séries mais completas representando profetas na arte cristã ocidental. Estão presentes os quatro principais profetas do Antigo Testamento - Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel, em posição de destaque na ala central da escadaria - e oito profetas menores, escolhidos segundo a importância estabelecida na ordem do cânon bíblico, sendo eles Baruc, Oseias, Jonas, Joel, Abdias, Amós, Naum e Habacuc. As proporções das figuras são extremamente distorcidas. Uma parte da crítica atribui isso à incompetência de seu grupo de auxiliares ou às dificuldades de manejo do cinzel geradas por sua doença, mas outros se inclinam para ver nelas uma intencionalidade expressiva, e outros ainda entendem as distorções como recurso eminentemente técnico destinado a compensar a deformação advinda do ponto de vista baixo a partir do qual as estátuas são vistas, demonstrando o criador estar ciente dos problemas e exigências da representação figural em escorço. De fato a dramaticidade do conjunto parece ser intensificada por essas formas aberrantes, que se apresentam em uma gesticulação variada e teatral, imbuída de significados simbólicos referentes ao caráter do profeta em questão e ao conteúdo de sua mensagem. Dez dentre eles apresentam o mesmo tipo físico: um jovem de rosto esguio e traços elegantes, maçãs do rosto salientes, barbas aparadas e longos bigodes. Somente Isaías e Naum aparecem como velhos de longas barbas. Todos também trajam túnicas semelhantes, decoradas com bordados, salvo Amós, o profeta-pastor, que usa um manto do tipo dos trajes de pele de carneiro encontrados entre os camponeses da região do Alentejo. Daniel, com o leão a seus pés, também se destaca no grupo e crê-se que pela perfeição de seu acabamento seja talvez uma das únicas peças do conjunto inteiramente realizada pelo mestre mineiro. Segundo Soraia Silva,
"O que o Aleijadinho efetivamente deixou representado nesta obra foi uma dinâmica postural de oposições e correspondências. Cada estátua representa um personagem específico, com sua própria fala gestual. Mas apesar dessa independência no espaço representativo e até mesmo no espaço físico, elas mantêm um diálogo corporal, formando uma unidade integrada na dança profética da anunciação da vida, morte e renascimento".
Outras teses identificam propósitos ocultos na composição do conjunto. A pesquisadora Isolde Venturelli atribuiu ao Aleijadinho inclinações políticas libertárias, e viu em cada profeta o símbolo de um inconfidente, opinião compartilhada com Martin Dreher, e que encontra algum apoio no fato de que sua ligação com Cláudio Manuel da Costa está documentada. Marilei Vasconcelos distinguiu nos profetas uma série de símbolos maçônicos. De qualquer forma, a concepção do conjunto é típica do Barroco religioso internacional: dramático, coreográfico e eloquente.Giuseppe Ungaretti, espantado com a intensidade mística das figuras, disse que "os profetas do Aleijadinho não são barrocos, são bíblicos". Para Gabriel Frade o conjunto integrado pela igreja, o amplo adro e os profetas se tornou um dos mais notórios da arquitetura sagrada no Brasil, sendo um perfeito exemplo de como elementos interdependentes de complementam coroando de harmonia a totalidade da obra. Para John Bury
"Os Profetas do Aleijadinho são obras-primas, e isso em três aspectos distintos: arquitetonicamente, enquanto grupo; individualmente, como obras escultóricas, e psicologicamente, como estudo de personagens que representa. Desde este último ponto de vista, elas são … as esculturas mais satisfatórias de personagens do Antigo Testamento que jamais foram executadas, com exceção do Moisés de Michelangelo".
Hoje todo o conjunto do Santuário é um Patrimônio da Humanidade, conforme declaração da UNESCO, além de ser tombado pelo IPHAN.
Ainda dentro do campo da escultura se alinham os grandes relevos que ele esculpiu para pórticos de igrejas, que introduziram no Brasil um padrão de larga posteridade. Típico dessa inovação é a cartela ou brasão coroado ladeado por anjos, que apareceu primeiro na portada da Igreja do Carmo de Sabará. Bazin relacionou esse modelo a protótipos do Barroco português da época de Dom João V, que eram amiúde empregados lá e no Brasil para o coroamento de retábulos, mas a presença repetida desses elementos em igrejas carmelitas portuguesas sugere também uma preferência desta Ordem religiosa. Aleijadinho levou adiante esse modelo nos portais das igrejas franciscanas de Ouro Preto e São João del-Rei, onde a composição se torna muito mais complexa e virtuosística. Em Ouro Preto os anjos apresentam já dois brasões lado a lado, unidos pela coroa de espinhos de Cristo e os braços estigmatizados, símbolos da Ordem Franciscana, e sobre isso se abre um grande medalhão com a figura da Virgem Maria, arrematado por uma grande coroa real. Decoram o conjunto guirlandas, flores, cabeças de querubins e fitas com inscrições, além de volutas e motivos de concha e folhagem. Também constituem novidade o desenho das peanhas, em arco semicircular, e a adição de fragmentos de entablamento acima das pilastras laterais, decorados com denteados e volutas. Os mesmos motivos aparecem em São João del-Rei, e todos estes portais aparentemente foram modificados, em sua parte estrutural, por Cerqueira. Um diferencial do exemplo de Ouro Preto é a presença de um relevo adicional ocluindo o óculo, onde São Francisco de Assis aparece recebendo os estigmas, que para Mário de Andrade está entre suas criações mais primorosas, aliando notável doçura e realismo. Na mesma categoria devem ser lembrados os lavabos monumentais e os púlpitos que esculpiu em pedra-sabão em igrejas de Ouro Preto e Sabará, todos com rico trabalho escultórico em relevo, tanto ornamental como em cenas descritivas.

Obra - Arquitetura

Aleijadinho atuou como arquiteto, mas a extensão e natureza desta atividade são bastante controversas. Só sobrevive documentação relativa ao projeto de duas fachadas de igrejas, Nossa Senhora do Carmo em Ouro Preto e São Francisco de Assis em São João del-Rei, ambas iniciadas em 1776, mas cujos riscos foram alterados na década de 1770. A tradição oral sustenta que ele foi autor também do risco da Igreja de São Francisco de Assis em Ouro Preto, mas a respeito dela só é documentada sua participação como decorador, criando e executando retábulos, púlpitos, portada e um lavabo. Também criou, como já foi mencionado, projetos para retábulos e capelas, que se enquadram mais na função do decorador-entalhador, ainda que tenham proporções arquitetônicas. Oliveira afirma que a comparação entre os projetos de fachadas documentados e o tradicionalmente atribuído evidencia que se tratam de universos estilísticos muito diferentes, sugerindo que a atribuição da igreja franciscana de Ouro Preto a Aleijadinho é no mínimo questionável. Esta apresenta um modelo mais compacto, com volumes mais dinâmicos e pobre ornamentação nas aberturas salvo a portada, cuja autoria do Aleijadinho é definida. Sua estética remete mais a modelos antigos do Barroco. As outras duas possuem janelas decoradas e volumes menos salientes, e são concebidas já bem dentro do estilo Rococó.
Os problemas se tornam mais complexos na análise da sua contribuição para a arquitetura religiosa mineira quando se constata a discrepância entre o projeto da Igreja de São Francisco de Assis em São João del-Rei, que foi recuperado, com o resultado que hoje é visível, tendo sofrido diversas modificações por Francisco de Lima Cerqueira, a ponto de ser justo chamá-lo de co-autor da obra. Segundo Oliveira,
"O projeto elaborado pelo Aleijadinho em 1774 para a fachada da igreja de São Francisco de São João del-Rei, que se situa na mesma linha evolutiva do Carmo de Ouro Preto, teria vindo a caracterizar, se executado, a mais genuinamente rococó das fachadas religiosas mineiras.... o risco, felizmente conservado, um belo e minucioso desenho em bico-de-pena com marcação dos volumes em sombreado, dá uma ideia bastante precisa do pensamento original do autor. As elegantes torres chanfradas e ligeiramente arredondadas enquadram um frontispício levemente sinuoso como o da igreja do Carmo, tendo desenho semelhante ao dessa igreja, com o mesmo coroamento em forma de sino, em tratamento mais evoluído. Outras semelhanças podem ser detectadas no desenho ornamental da portada e das molduras das janelas, diferindo, entretanto, o modelo do óculo e do frontão, ladeado de vigorosas rocalhas chamejantes, que impulsionam visualmente para o alto o relevo escultórico central com a cena da visão de São Francisco no Monte Alverne".

Obra - Talha




Como entalhador, é documentada a participação de Aleijadinho em pelo menos quatro grandes retábulos, como projetista e executante. Em todos eles seu estilo pessoal se desvia em alguns pontos significativos dos modelos barrocos-rococós então prevalentes. O traço mais marcante nessas complexas composições, de caráter ao mesmo tempo escultórico e arquitetural, é a transformação do arco de coroamento, já sem frontão, substituído por um imponente grupo estatuário, o que segundo Oliveira sugere a vocação primariamente escultórica do artista. O primeiro conjunto foi o projeto da capela-mor da Igreja de São José em Ouro Preto, datado de 1772, ano em que entrou para a correspondente Irmandade. As obras foram executadas, contudo, por um artesão pouco qualificado, prejudicando o resultado estético. Ainda apresenta um dossel de coroamento, mas já está desprovido de ornamentos e ostenta um grupo escultórico. O conjunto mais importante é o retábulo da Igreja de São Francisco de Assis em Ouro Preto, onde a tendência de povoar com figuras o coroamento chega ao seu ponto alto, com um grande conjunto escultórico representando as três pessoas da Santíssima Trindade. Este grupo não apenas arremata o retábulo, mas se integra eficazmente com a ornamentação da abóbada, fundindo parede e teto num vigoroso impulso ascendente. Toda a talha do retábulo tem uma forte marca escultórica, mais do que meramente decorativa, e realiza um original jogo de planos diagonais através dos seus elementos estruturais, o que se constitui num dos elementos distintivos de seu estilo neste campo, e que se repetiu no outro grande conjunto que ele projetou, para a igreja franciscana de São João del-Rei.
A etapa final da evolução do seu estilo como entalhador é ilustrada pelos retábulos que realizou para a Igreja de Nossa Senhora do Carmo em Ouro Preto, projetados e executados por ele entre1807 e 1809, sendo os últimos que criou antes da sua doença obrigar-lhe a mais supervisionar do que executar suas ideias. Estas peças derradeiras apresentam um grande enxugamento formal, com a redução dos elementos decorativos a formas essenciais, de grande elegância. Os retábulos são marcadamente verticalizados e se encaixam integralmente dentro dos cânones do Rococó; abandonam por inteiro o esquema do arco de coroamento, empregando apenas formas derivadas da concha (a "rocalha") e da ramagem como motivos centrais das ornamentações. Ofuste das colunas não mais se divide em dois por um anel no terço inferior, e a sanefa aparece integrada à composição por volutas sinuosas.

Problema da Autoria e Estilo Pessoal




Cristo no Horto das Oliveiras, na Via Sacra de Congonhas

Nossa Senhora das Dores, tradicionalmente atribuída a Aleijadinho. Museu de Arte Sacra de São Paulo
Como ocorre com outros artistas coloniais, a identificação das obras do Aleijadinho é dificultada pelo fato dos artistas da época não assinarem suas obras e pela escassez de fontes documentais. Em geral os documentos como contratos e recibos acordados entre as irmandades religiosas e os artistas são as fontes mais seguras para a atribuição de autoria. Também outros documentos, como a Memória do vereador de Mariana transcrito por Bretas e a tradição oral são elementos úteis. Comparações estilísticas entre as obras autenticadas com as de autoria sugerida podem ser usadas para identificar o autor, embora este critério seja sempre conjetural, ainda mais porque se sabe que o estilo "típico" de Aleijadinho criou escola, sendo continuado por grande número de escultores mineiros e copiado até nos dias de hoje por santeiros da região. Tal estilo foi descrito por Silvio de Vasconcellos como apresentando os seguintes traços:
  • Posicionamentos dos pés em ângulo próximo do reto;
  • Panejamentos com dobras agudas;
  • Proporções quadrangulares das mãos e unhas, com o polegar recuado e alongado e indicador e mínimo afastados, anular e médio unidos de igual comprimento; nas figuras femininas os dedos se afunilam e ondulam, elevando-se em seus terços médios;
  • Queixo dividido por uma cova;
  • Boca entreaberta e lábios pouco carnudos, mas bem desenhados;
  • Nariz afilado e proeminente, narinas profundas e marcadas;
  • Olhos rasgados de formato amendoado, com lacrimais acentuados e pupilas planas; arcadas superciliares alteadas e unidas em "V" na altura do nariz;
  • Bigodes nascendo das narinas, afastados dos lábios e fundidos com a barba; esta é recuada na face e se apresenta bipartida em dois rolos;
  • Braços curtos, um tanto rígidos, especialmente nos relevos;
  • Cabelos estilizados, modelados como rolos sinuosos e estriados, terminados em volutas e com duas mechas sobre a testa;
  • Expressividade acentuada, olhar penetrante.
A título de exemplo, ao lado se ilustra uma das inúmeras imagens que vêm sendo aceitas como de sua autoria com base na comparação estilística, uma Nossa Senhora das Dores, hoje no acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo.
Beatriz Coelho dividiu sua evolução estilística em três fases: a primeira, entre 1760 e 1774, quando seu estilo é indefinido, à procura de uma caracterização; a segunda, entre 1774 e 1790, quando ele se personaliza e suas obras se definem pela firmeza e idealização, e a final, entre 1790 e sua morte, quando a estilização chega a extremos, bem longe do naturalismo, tentando expressar a espiritualidade e o sofrimento.
Outro aspecto que deve ser levado em conta é o sistema de trabalho em oficinas coletivas que vigorava nas Minas de seu tempo; há pouca certeza acerca da extensão de sua intervenção direta na execução de muitas de suas obras, mesmo as documentadas. Muitas vezes os mestres-de-obras intervinham no risco original das igrejas, e a supervisão da construção era realizada por equipes das corporações, associadas aos poderes civil e eclesiástico, que também tinham poder diretivo. Para a talha de altares e esculturas igualmente participavam um número indeterminado de artesãos assistentes, que se bem seguindo as diretrizes do projetista encarregado da encomenda, deixavam sua marca distintiva nas peças finalizadas. Como disse Angela Brandão,
"Embora todo o sistema de organização da atuação dos ofícios mecânicos, herdada de modelos medievais portugueses, tenha se modificado ao adequar-se à colônia brasileira, parece certo que tanto em Portugal e tanto mais no Brasil a rígida divisão das funções exercidas por diferentes oficiais nunca se tenha mantido criteriosamente… As sobreposições ou exercício de funções que extrapolavam os limites profissionais estabelecidos para cada ofício mecânico não deixaram de gerar conflitos … Diferentes caminhos, levados em consideração, levam a concluir que os trabalhos artísticos e artesanais, em suas variadas atividades, entrelaçavam suas funções nas mãos de diferentes oficiais (os "oficiais de tudo", para usar o termo do século XVI), nos canteiros de obras e nos diversos encargos promovidos por irmandades e pela diocese em Minas Gerais do século XVIII".
Sendo hoje um dos ícones da arte brasileira, sua obra é altamente valorizada no mercado, e na problemática das atribuições de autoria entram em jogo fortes pressões de vários setores envolvidos, incluindo instâncias oficiais, colecionadores e comerciantes de arte. Apesar de sua obra documentada se resumir a relativamente poucas encomendas (duas delas incluindo os grandes conjuntos escultóricos de Congonhas, a Via Sacra e os Profetas), o catálogo geral publicado por Márcio Jardim em 2006 elencou 425 peças como de sua lavra exclusiva, sem ajuda de outrem, número muito maior do que as 163 obras contadas em 1951, na primeira catalogação. E o número não cessa de crescer: diversas peças de autoria até então desconhecida vêm sendo "autenticadas" nos últimos anos, quase invariavelmente sem qualquer fundamento documental. Um estudo crítico publicado em 2003 por pesquisadores ligados ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Myriam Oliveira, Antônio Batista dos Santos e Olinto Rodrigues dos Santos Filho, contestou centenas dessas atribuições, e o livro acabou tendo toda sua edição apreendida por ordem judicial, emitida num processo aberto por Renato Whitaker, grande colecionador de Aleijadinho, que se sentiu prejudicado ao ver várias de suas peças desacreditadas. O embargo, porém, foi levantado em seguida. Outras contestações vieram de Guiomar de Grammont, alegando que em seu tempo de vida, e prejudicado por uma doença limitante, seria impossível que ele executasse todas as obras a ele atribuídas. Ela alegou ainda ter"razão para desconfiar que existe um conluio entre colecionadores e críticos para valorizar obras anônimas".

O Homem, A Doença e O Mito


Aleijadinho foi descrito por Bretas nos seguintes termos:

"Era pardo-escuro, tinha voz forte, a fala arrebatada, e o gênio agastado: a estatura era baixa, o corpo cheio e mal configurado, o rosto e a cabeça redondos, e esta volumosa, o cabelo preto e anelado, o da barba cerrado e basto, a testa larga, o nariz regular e algum tanto pontiagudo, os beiços grossos, as orelhas grandes, e o pescoço curto".
Quase nada ficou registrado sobre sua vida pessoal, a não ser que gostava de se entreter nas "danças vulgares" e comer bem, e que amasiou-se com a mulata Narcisa, tendo com ela um filho. Nada foi dito sobre suas ideias artísticas, sociais ou políticas. Trabalhava sempre sob o regime da encomenda ganhando meia oitava de ouro por dia, mas não acumulou fortuna, antes, diz-se que era descuidado com o dinheiro, sendo roubado várias vezes. Por outro lado, teria feito repetidas doações aos pobres. Manteve três escravos: Maurício, seu ajudante principal com quem dividia os ganhos, e mais Agostinho, auxiliar de entalhes, e Januário, que lhe guiava o burro em que andava. Continuando, Bretas relatou que depois de 1777 o artista começou a exibir sinais de uma misteriosa doença degenerativa, que lhe valeu o apelido de Aleijadinho. O seu corpo foi progressivamente se deformando, o que lhe causava dores contínuas; teria perdido vários dedos das mãos, restando-lhe apenas o indicador e o polegar, e todos dos pés, obrigando-o a andar de joelhos. Para trabalhar tinha de fazer com que lhe amarrassem os cinzéis nos cotos, e na fase mais avançada do mal precisava ser carregado para todos os deslocamentos - sobrevivem recibos de pagamentos de escravos que o levavam para cá e para lá, atestando-o. Também a face foi atingida, emprestando-lhe uma aparência grotesca. De acordo com o relato, Aleijadinho tinha plena consciência de seu aspecto terrível, e por isso desenvolveu um humor perenemente revoltado, colérico e desconfiado, imaginando que mesmo os elogios que recebia por suas realizações artísticas eram escárnios dissimulados. Para ocultar sua deformidade vestia roupas amplas e folgadas, grandes chapéus que lhe escondiam o rosto, e passou a preferir trabalhar à noite, quando não podia ser visto facilmente, e dentro de um espaço fechado por toldos. Nos seus últimos dois anos, quando já não podia trabalhar e passava a maior parte do tempo acamado, Bretas disse que, de acordo com o que soube da nora do artista, um lado de seu corpo ficou coberto de chagas, e ele implorava constantemente que Cristo viesse dar-lhe morte e livrar dessa vida de sofrimento, pousando Seus santos pés sobre o seu corpo miserável.
Diversos diagnósticos têm sido propostos para explicar essa doença, todos conjeturais, que incluem entre outras lepra (alternativa improvável, visto que não foi excluído do convívio social, como ocorria com todos os leprosos), reumatismo deformante, sífilis escorbuto, traumas físicos decorrentes de uma queda, artrite reumatóidepoliomielite e porfiria (doença que produz fotossensibilidade - o que explicaria o fato do artista trabalhar à noite ou protegido por um toldo).

Aleijadinho em Vila Rica, 1898-1904, reconstrução romântica de uma cena imaginária na vida do artista, por Henrique Bernardelli. Reprodução na revista Kósmosde tela posteriormente desaparecida
A construção do mito em torno ao Aleijadinho começou já na biografia pioneira de Bretas, que embora alertando para o fato de que quando "um indivíduo qualquer se torna célebre e admirável em qualquer gênero, há quem, amante do maravilhoso, exagere indefinidamente o que nele há de extraordinário, e das exagerações que se vão sucedendo e acumulando chega-se a compor finalmente uma entidade verdadeiramente ideal", não obstante enaltecia suas realizações contra um meio hostil e uma doença acabrunhante. No início do século XX, interessados em definir um novo sentido de brasilidade, os modernistas o tomaram como um paradigma, um mulato, símbolo do rico sincretismo cultural e étnico brasileiro, que conseguira transformar a herança lusa em algo original, e muita bibliografia foi produzida nesse sentido, criando uma aura em torno dele que foi assumida pelas instâncias oficiais da cultura nacional.
Um dos elementos mais ativos na construção do "mito Aleijadinho" diz respeito à busca implacável de sinais confirmadores de sua originalidade, de sua "unicidade" no panorama da arte brasileira, representando um acontecimento tão especial que transcenderia até mesmo o estilo de sua época. Contudo, essa busca é uma interpretação peculiar do fenômeno estético que nasceu durante o Romantismo, quando se passou identificar fortemente o criador com sua criação, considerando esta uma propriedade exclusiva daquele, e atribuindo à obra a capacidade de exibir reflexos genuínos da personalidade e da alma individual que a produziu. Todo esse corpo de ideias não existia, pelo menos não na importância que adquiriu, durante os períodos anteriores dahistória da arte, que primaram pelo sistema da criação coletiva e muitas vezes anônima. A arte tendia a ser considerada um produto de utilidade pública, os clientes determinavam a abordagem a ser empregada na obra, as histórias e motivos não pertenciam a ninguém, e a voz pessoal do artista não devia prevalecer sobre os cânones formais consagrados e os conceitos coletivos que se procurava transmitir, nem o criador podia em linhas gerais reivindicar propriedade intelectual sobre o que escrevia, esculpia ou pintava. A partir, pois, da ascensão do conceito romântico de originalidade, que ainda hoje é largamente arraigado, se construiu toda a crítica posterior e se passou a ver o artista como um gênio singular, que está intimamente fundido com sua obra e da qual é o único árbitro e dono, assumindo a criação um perfil autobiográfico. Até nos dias de hoje parte da crítica tende a projetar uma visão moderna sobre processos mais antigos ocorridos dentro de um contexto em tudo distinto, distorcendo as interpretações e chegando a conclusões enganosas, um problema que afeta diretamente o estudo da vida e obra do Aleijadinho e ainda mais profundamente quando se constata a importância simbólica que ele adquiriu para os brasileiros, uma importância que em boa parte foi erigida a partir dessa mesma distorção analítica que está eivada de contradições estéticas e históricas fundamentais. Não é possível, certamente, ignorar diferenças de capacidade artística ou de estilos individuais mesmo entre artistas pré-românticos como ele, nem se ignora o evidente aparecimento de notas originais e transformadoras na linha do tempo, mas é preciso lembrar que antes do que ser um produto de uma suposta geração espontânea, um gênio nascido do nada e inteiramente original, Aleijadinho pertenceu a uma linhagem, teve antecessores e inspiradores, e foi fruto de um meio cultural que determinava em larga medida como a arte da sua época deveria ser criada, sem que o artista - um conceito que tampouco existia como ele é entendido hoje - tivesse um papel especialmente ativo nessa determinação.
Também sua doença entrou como elemento importante neste quadro magnificado. Como sintetizou Gomes Junior,
"No Brasil o Aleijadinho não teria escapado a essa representação coletiva que circunda a figura do artista. O relato da parteira Joana Lopes, uma mulher do povo que serviu de base tanto para as histórias que corriam de boca em boca quanto para o trabalho de biógrafos e historiadores, fez de Antônio Francisco Lisboa o protótipo do gênio amaldiçoado pela doença. Obscurece-se sua formação para fixar a ideia do gênio inculto; realça-se sua condição de mulato para dar relevo às suas realizações no seio de uma comunidade escravocrata; apaga-se por completo a natureza coletiva do trabalho artístico para que o indivíduo assuma uma feição demiúrgica; amplia-se o efeito da doença para que fique nítido o esforço sobre-humano de sua obra e para que o belo ganhe realce na moldura da lepra." 
O pesquisador chama a atenção ainda para a evidência documental de recibos assinados em 1796, onde sua caligrafia ainda é firme e desembaraçada, fato inexplicável se aceitarmos o que disse Bretas ou os relatos de viajantes do século XIX, como John Luccock, Friedrich von Woech, Francis de Castelnau e outros, certamente repetindo o que proclamava a voz popular, que diziam ele ter perdido não só dedos, mas até as mãos. Chartier, Hansen, Grammont e outros vêm ecoando os mesmos argumentos de Gomes Junior, e Barretto acrescentou, ao que se disse acima, que a figura de Aleijadinho é atualmente um chamariz para o turismo de Ouro Preto em tal medida que sua doença, representada nos livros, é "comercializada" em alguns pontos turísticos da cidade. Em meio a esta teia de construções biográficas duvidosas mas largamente consagradas pela tradição, diversos estudiosos têm tentado separar fato de lenda, num esforço que iniciou quase ao mesmo tempo em que se erguia o edifício mítico em seu redor, sendo especialmente notáveis os escritos pioneiros de José Mariano Filho e Roger Bastide sobre este tópico, mais tarde secundados por diversos outros como os dos autores antes citados.

Retrato imaginário de Aleijadinho, por Bernardelli


Iconografia

Não há notícia de que Aleijadinho tenha sido retratado em vida, mas no início do século XX foi descoberto, na casa de ex-votos do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, um pequeno retrato de um mulato bem vestido, com as mãos ocultas. A obra foi então vendida em1916 ao comerciante carioca Baerlein como sendo um retrato do artista, e depois de ir parar num antiquário, foi comprada por Guilherme Guinle, quando a esta altura se atribuiu a autoria a Mestre Ataíde. Em 1941 Guinle doou o retrato ao Arquivo Público Mineiro, onde em 1956 foi redescoberto pelo historiador Miguel Chiquiloff, que deu início a uma pesquisa de quase vinte anos para provar sua autenticidade. A conclusão de Chiquiloff foi que a imagem de fato representa Aleijadinho, mas sua autoria foi atribuída a um obscuro pintor, Euclásio Penna Ventura.
Depois disso acendeu-se um grande debate na imprensa, e a opinião pública mineira foi induzida a mostrar-se favorável ao reconhecimento oficial da obra como um retrato autêntico do afamado mestre; a proposta foi inclusive objeto de um projeto de lei que deu entrada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, mas de acordo com um parecer do Conselho Estadual de Cultura, que eximiu-se de julgar um assunto que lhe pareceu fora de sua alçada, o projeto foi vetado pelo governador. Contudo, Assembleia derrubou o veto governamental e aprovou a Lei nº5.984, de 12 de setembro de 1972, reconhecendo o retrato como a efígie oficial e única de Antônio Francisco Lisboa. É a imagem que ilustra a abertura deste artigo. Alguns artistas brasileiros também ofereceram versões conjeturais de sua aparência, entre eles Belmonte e Henrique Bernardelli.